Uma lição de vida

29-04-2020

Faço parte do grupo de privilegiados que pôde cumprir o isolamento com rigor e onde apenas um elemento saiu de casa uma ou duas vezes por semana e sempre por uns brevíssimos minutos. Hoje, dia 28 de abril, fui obrigada a uma deslocação de cerca de 10 kms, o que foi um verdadeiro passeio dado o confinamento dos últimos 40 e tal dias. E como em qualquer passeio que faço sozinha, tenho um hábito que aprendi a cultivar na última formação de Mindfulness em que participei: observar, contemplar, interiorizar e sentir-me agradecida. Ora são precisamente essas reflexões que gostaria de partilhar hoje.

"As pessoas já não andam, correm". "Ninguém sabe esperar". "Vivemos numa sociedade em que é cada um por si". Estas são algumas das frases que me fui habituando a ouvir e que hoje criaram um efeito de ressonância quando vi pessoas a esperar em filas para puderem entrar nos estabelecimentos, quando vi que poucas são as pessoas que andam na rua sem máscara, quando vi agentes da autoridade numa qualquer operação stop, quando me confrontei com a diminuição significativa de veículos a circularem. De repente, o mundo foi obrigado a parar. Mas, mais importante, é que o que se espera nos próximos tempos é precisamente que todos aprendamos a diminuir o ritmo, a esperar, a planear uma simples ida ao supermercado, a tomar consciência de que existem outras pessoas para além de nós e que o seu comportamento vai (pode) interferir em nós, nos nossos hábitos, na nossa saúde.

Curiosamente, é esta consciência de que existe tempo, lugar, outras pessoas que o coronavírus veio, à força, ensinar. Quero deixar claro que não partilho de todo de algumas opiniões que circulam segundo as quais, este vírus é uma espécie de "bênção" que nos veio chamar a todos à realidade. Apenas acredito no livre arbítrio e, perante qualquer situação, temos sempre a possibilidade de escolha. Neste caso, podemos revoltar-nos ou podemos tentar retirar algum ensinamento, algum benefício ainda que tenhamos todos de pagar um preço (sim, uns mais caro que outros e isso poderá ser injusto). Pela minha parte, opto por assumir que não gosto desta nova realidade mas reconheço que me trouxe algumas coisas das quais felizmente me orgulho de sempre ter tido consciência mas às quais nem sempre prestei a devida atenção. Estou a aprender que esperar não é perder tempo mas sim ter mais tempo para observar o que me rodeia ou olhar para dentro de mim e perceber quais as minhas prioridades e inquietações. Estou a aprender que posso perder menos tempo em filas se planear, se me levantar mais cedo, se me organizar, se aprender a contar com a minha família e se delegar neles algumas tarefas que sempre assumi como exclusivamente minhas. Estou a aprender que as tecnologias podem ser tão úteis como nocivas e que isso depende apenas do bom senso de cada um e do seu nível de maturidade. Estou a descobrir pessoas maravilhosas e fantásticas que são capazes de, anonimamente, fazerem tanto pelos outros. Estou a descobrir que a importância que damos às pessoas é uma escolha individual e não podemos responsabilizá-las pela desilusão que nos provocam. Estou a descobrir que a vida é mesmo isto: um processo em constante construção e que a mudança às vezes é imposta mas é sempre uma oportunidade para crescer. Estou cada vez com mais certeza de que aceitar não é concordar nem tão pouco conformar. Estou a compreender o significado de derrota e de vitória. Estou a compreender o sentido de dar tempo ao tempo sem desperdiçar o que me é dado. 

Bernadette Matos-Lima