Regresso às aulas numa perspetiva neuropsicológica

17-09-2020

Pertenço aquele grupo de pessoas que acredita que a realidade não tem forçosamente de ser boa ou má e pode apenas ser aquilo que é (em Mindfulness chamam-lhe "Aceitação" que saliento eu não deve ser confundida com conformismo). Não pretendo obviamente recusar que há situações em que facilmente assumimos uma emoção positiva e, outras, negativa, mas existem também aquelas situações em que não vale de muito alimentar estados de raiva, ódio e irritação. Acredito na capacidade de resiliência do ser humano e é dessa forma que olho para este regresso às aulas em tempo de Covid. Pergunto-me de que valem discursos pessimistas de que os números de infetados e mortes vão aumentar. De que valem discursos em que prevalecem os handicaps que estamos a provocar às nossas crianças ao limitá-las nas suas interações sociais, nas suas iniciativas, no uso de máscara? Pergunto-me se não é muito mais saudável assumirmos que estamos a viver uma pandemia a nível mundial e que existem riscos e riscos graves (e grandes) associados. Alguém me dizia há uns dois meses atrás a propósito de uma reunião familiar (10 pessoas e não 100 diga-se de passagem) "o vírus existe e se deixamos agora de viver, podemos nunca mais voltar a fazê-lo". No momento, ri-me mas a verdade é que não é por optarmos todos por hipotecar as nossas vidas que o problema fica resolvido. Adiado sim, talvez mas apenas isso. Dizem que outras pandemias virão, dizem que o mundo precisava de uma crise destas para nos repensarmos. De que é que estamos à espera? Este regresso às aulas onde predomina essencialmente o respeito pelo outro é exatamente isso. A consciência de que não sou o único a circular na escola, na rua onde quer que seja permite-me manter esse distanciamento. O uso da máscara obriga-me a olhar mais para os olhos do outro e manter o tal do contato ocular. O articular as palavras de forma a que o outro me compreenda e perceba o que penso, o que sinto, o que quero. Afastar-me do outro permite-me não invadir o seu espaço e perceber que é um ser diferente de mim. Afastar-me do outro permite-me talvez sentir-lhe a falta e reconhecer pela primeira vez o quanto eu não sou feliz sozinho. E se tenho de higienizar as mãos 20, 30 ou 50 vezes ao dia tomo consciência de que a vida é um risco e esse é mais um motivo para aproveitar cada minuto.

A minha sugestão passa precisamente por numa perspetiva individual cada um de nós tomar uma decisão (ainda que mais ou menos imposta), identificar os riscos, preparar um plano e pô-lo em ação de forma atenta e organizada. O que ganhamos com isso? A promoção dos nossos processos mentais. Com sorte, caminharemos talvez para um mundo onde deixamos de nos mover pelos nossos instintos e pelas nossas necessidades individuais dando lugar ao pensar, ponderar, sentir e ao reconhecimento do outro na construção da nossa própria identidade.

Bernadette Matos-Lima