Reabertura das creches: o dilema

13-05-2020

Muito se tem falado acerca da reabertura das creches e com base nos mais diversos critérios quer do ponto da vista das Ciências Físicas, Médicas, quer das Ciências Humanas e Sociais, vamos ouvindo várias opiniões. Faço sempre questão de ter para mim que a realidade de uns não é a realidade de todos, e não vou enumerar os vários fatores e condicionantes que podem levar a que cada pai/ mãe opte por levar o filho/ filha para a creche ou por deixar que ele permaneça em casa. Gostava contudo de partilhar uma história a que tive o privilégio de assistir e a partir daí, deixo à vossa consideração os prós e contras deste próximo passo do desconfinamento.

André tem 6 anos e anda às voltas na sua bicicleta sempre vigiado pelos pais. Os pais de Rafael, da mesma idade, estão em teletrabalho e por esse motivo, a família tem estado quase sempre dentro de casa. Naquela tarde, foram dar um passeio e pararam num qualquer estabelecimento daqueles que recordamos da nossa infância e que funcionam mais como um ponto de encontro do que local de comércio. André e Rafael não se conheciam e nunca se tinham visto mas André perguntou a Rafael se queria brincar. Rafael deu um passo atrás mas como podia dizer que não? Sabia que não podia tocar em ninguém (e era muitas vezes provocado até pelos amigos dos pais mas nunca cedia), que tinha de usar máscara sempre que estivesse com outras pessoas num ambiente fechado, que tinha de manter a distância de 5 "passos grandes" das outras pessoas. Conhecia as regras e vi-as a serem aplicadas sempre que ele ou qualquer pessoa lá de casa saía à rua (deixavam o calçado e tiravam a roupa na zona contaminada, desinfetavam as mãos e iam para o banho). Mas naquele momento, era um dos dele que lhe fazia aquele convite, aquela proposta irrecusável. Olhou hesitante para os pais que lhe disseram que sim pois sabiam que podiam confiar nele. E o diálogo entre aquelas duas crianças encontrou logo obstáculos para uma tomada de decisão tão simples: brincar juntos. "Não podemos andar de bicicleta porque não podemos ser os dois a tocar-lhe". "Não podemos jogar à bola porque anda no chão e depois pegamos nela com as mãos". "Escondidinhas neste sítio também não dá". "Vamos passear e correr por aí porque espaço não falta". Andaram, correram, conversaram, apresentaram-se, falaram deles e cansaram-se. E como qualquer criança desta década, não faltou muito até que um deles pegasse num telemóvel e o partilhasse com o seu novo amigo. Esqueceram distâncias, esqueceram que não se podia tocar nos mesmos objetos. Os pais de um e outro viram e sabiam que aquele comportamento não era o mais correto mas nenhum se atreviu a impedir que a magia daquela amizade acabada de começar fosse interrompida. Ao chegar a casa, lavariam as mãos, desinfetariam e teriam todos os cuidados redobrados. E quando chegou o momento da despedida, e no meio da promessa de um próximo encontro, diz um deles "dá-me um abraço" e, imediatamente, um dos progenitores grita "abraços não!" ao que aquelas duas criaturas responderam com um cumprimento secreto, uma coisa só deles mas que todos presenciaram e ficaram a conhecer.

Bernadette Matos-Lima