Aprender a viver em isolamento

17-03-2020

Estamos no quarto dia de isolamento e sei que há já muitas famílias com dificuldades em gerir as coisas lá por casa. Não é fácil: de um momento para o outro e sem qualquer possibilidade de decisão da nossa parte, todos ficam em casa com as tarefas habituais para cumprir e mais umas quantas que antes tinham o seu espaço e tempo bem definidos. E se antes o turbilhão matinal dava depois lugar a uma casa vazia, o turbilhão dura agora quase o dia inteiro. Se habitualmente se faziam duas ou três refeições por dia em casa, quem tem crianças sabe que passaram a ser seis ou sete!!!!! E são pais e mães que agora se vêem a cargo com estas tarefas e não podem descurar o trabalho que lhes garante alguma estabilidade quando tudo isto acabar. Não tenho a pretensão de ter soluções mágicas mas quero também deixar o meu contributo à semelhança daquilo que muitos têm feito porque esta é uma das formas que tenho de trabalhar em casa e porque acredito honestamente que todas as sugestões são benvindas.

1º passo: mantenha rotinas por si e pelos seus filhos.

Sim, isto vai passar mesmo que o covid-19 demore muito tempo e vai demorar com certeza mais do que o que gostaríamos. E quando passar, é importante que rapidamente consigamos cumprir os nossos afazeres habituais e as crianças têm de estar preparadas para isso. Algumas vivem agora uma realidade que não lhes desagrada por inteiro: não têm de ir à escola, têm ambos os pais a tempo inteiro, fazem todas as refeições em família, têm tempo para jogos, filmes e o inimigo continua (e ainda bem!) lá fora. Voltar depois ao cumprimento de rotinas impostas não será um processo fácil e o melhor é prevenir desde já. Como? simples: estabeleça um horário de levantar, deitar e fazer refeições (os lanches de meia em meia hora não são aceites). O resto do tempo podem gerir como for mais funcional e pode ser um horário semanal ou podem ir ajustando dia-a-dia. Inclua um tempo para trabalhos da escola (cerca de 90 a 120 minutos/ dia condensados ou não). Se o seu filho não tiver trazido atividades escolares, pode aceder a várias plataformas que disponibilizam materiais gratuitos ou pode sempre contatar os professores que com certeza o vão ajudar. Nessa altura, aproveite também para trabalhar até porque a melhor forma de educar é o exemplo e esse poderá ser um dos poucos momentos em que a criançada está em silêncio garantido (sim, corre o risco de virem colocar-lhe dúvidas).

Lembre-se que quando está na escola, o seu filho tem intervalos precisamente porque a criança ou adolescente precisa de "espairecer". Ora você também precisa e provavelmente agora mais do que nunca. Aproveitem para ver um filme juntos, fazer jogos (videojogos são permitidos mas os tradicionais continuam a ser opção), experimentar fazer meditação ou exercícios de relaxamento, exercício físico (para quem vive em apartamento também é possível sem deitar a casa abaixo). Se quiser dar asas à sua criatividade (a dos mais novos estará lá com certeza) pode aventurar-se em trabalhos manuais (prepare a prenda para o Dia do Pai, miminhos para oferecer, ou materiais só porque sim), experiências "científicas", culinária.

2º passo: Operação stop pijama

A tentação para passar o dia de pijama é muito grande em particular para os miúdos mas também para os mais crescidos, adultos inclusive se o trabalho não obrigar a videochamadas. Não ceda nem deixe que cedam. Mantenham o hábito de vestir uma roupa mesmo que mais confortável do que a vestiriam se fossem para a escola ou para o trabalho (fato de treino é aceite), arranjem o cabelo, desfaçam a barba se têm esse hábito diário. Parece brincadeira mas a verdade é que é muito fácil descurar a nossa imagem até porque não parece (e provavelmente não o é neste momento) prioritária.

3º passo: tenha tempo de qualidade para si

Defendo há já muito tempo que todos nós precisamos de uma pausa por dia a sós (cerca de 20 minutos/dia) e essa é uma necessidade ainda mais premente nestes dias em que vivemos com todo o agregado familiar 24 horas/ dia. Levante-se antes de todos, deite-se no fim de todos ou use o tempo do banho mas garanta que tem tempo só para si, para fazer o seu balanço, para tomar consciência do que está a fazer bem e do que tem de mudar, para se confrontar com os seus medos, as suas ansiedades, as suas expetativas.

4º passo: se está numa relação (casamento ou união de facto), namore

Na correria do dia-a-dia, os casais queixam-se habitualmente que deixaram de ter tempo para eles enquanto casal e esta é talvez uma altura em que vale a pena parar e olhar mais um para o outro. Afinal, estamos a optar pelo isolamento porque nos preocupamos uns com os outros, então vamos olhar não só pelos que vivem connosco mas vamos também olhar para eles, escutá-los e compreender o que nos liga, o que nos mantem juntos um, cinco, dez, vinte, cinquenta anos depois. E vamos alimentar isso, vamos garantir que a nossa relação se mantém cada vez mais fortalecida.

5º passo: mantenha objetivos

"O sonho comanda a vida" e acredito piamente que precisamos de objetivos para dirigir a nossa vida. Não precisa de definir objetivos para o próximo ano se isso não lhe fizer qualquer sentido seja por que motivo for, mas defina objetivos para amanhã, para a semana, para quando esta coisa toda acabar. Mantenha um rumo, sinta que tem algum controlo apesar de todo o caos que sente à sua volta neste momento. Acredite que tem capacidade para inovar tudo o que faz repetidamente: a forma de estar em família, de comunicar com quem está na casa ao lado, de impor a sua autoridade parental, de cozinhar, de passar o tempo.

E sobretudo, acredite em si. Acredite que é capaz de cumprir aquilo que nos estão a pedir que façamos. Acredite que o mundo vai continuar a precisar de si quando o covid-19 for um pesadelo que passou e acredite que depende de cada um de nós e do contributo que cada um estiver disposto a dar para que, nessa altura, o mundo seja um lugar melhor.

Bernadette Matos-Lima